Retirado de: www.negociosdefamilia.com.br
Dá para imaginar o Vendedor de Sonhos sendo apedrejado depois do seu mea culpa no estádio? Não. E se fosse o Papa? Sem dúvida que sim. Por quê? Ora, a única opção que pode ser livremente agredida hoje é a de ser católico praticante. As baleias e os tigres são mais protegidos. Como na Roma Imperial.
Semanas atrás, enquanto esperava uma pessoa que está por cima de coisas triviais como a pontualidade, reparei que não trouxera nada para ler. Antes de desesperar-me, olhei ao redor. Havia poucas opções: uma revista sobre moda, um guia turístico da Grécia e o livro “O vendedor de sonhos”, do Augusto Cury.
Peguei este último e li até o fim (a pessoa esperada chegou alguns minutos depois). Confesso que, num primeiro momento, não tive o impacto semelhante ao causado pela leitura de obras como Ilíada, Crime e Castigo, Till we have faces ou a Trilogia da Fronteira do McCarthy. Também foi lamentável a minha fraqueza de interromper a leitura algumas vezes para namorar o guia da Grécia. Porém, o fato é que a curiosa figura criada por Augusto Cury voltou-me à cabeça hoje, precisamente no momento em que decidi não ler mais nada sobre a questão da pedofilia na Igreja Católica. A insistência com que o tema tem sido tratado e a natureza de ataque furioso organizado contra o Papa levaram-me à beira da exaustão.
Reparem bem: eu disse ler, não escrever. Então, prossigo.
Eis a cena do livro que surgiu na minha mente: lá pelas tantas, o Vendedor de Sonhos foi convidado a uma homenagem prestada pelos “poderosos do sistema”, que na verdade estavam insatisfeitos com a sua pregação e queriam destruí-lo. Ele resistiu, prevendo o que iria ocorrer. Mas foi conduzido quase à força pelos seus ingênuos seguidores a um estádio lotado, e assistiu à exibição de cenas da sua vida. Por sinal, cenas nada meritórias, já que ele aparecia num hospício, expondo toda a sua insanidade, berrando e babando, os olhos injetados de loucura (assumo estas últimas descrições; acho que não estão no livro). Os organizadores-detratores ficaram felicíssimos. Os assistentes, perplexos (a popularidade do Vendedor era muito alta). O atacado, sereno e silencioso.
Depois de muito pedir, conseguiram que ele falasse algo. E ele falou. Disse que tudo aquilo era verdade; explicou o seu sentimento de culpa pela morte da família; expôs o desejo de reparar; pediu perdão a Deus e ao mundo. E foi embora. O efeito, como tudo no livro, foi manejado pelo autor em favor do seu heroi, que saiu engrandecido do cenário da sua própria destruição social. Algo como um condenado à forca ser coroado rei no próprio patíbulo.
Pois bem, a vida do lado de fora dos livros de autoajuda não é assim. O estádio da difamação e da calúnia dura meses e meses. As cenas degradantes são exibidas à saciedade, de todos os ângulos possíveis. A massa grita enfurecida. Não adianta pedir perdão. É inútil tomar medidas corretivas. Qualquer tentativa de defesa é distorcida e voltada contra o alvo da ira predatória, em forma de novas agressões.
Aí entra o Papa. Penso que a analogia e a conclusão estão claras, e limito-me a acrescentar que o Papa, para uma parcela considerável dos habitantes do planeta, não é um Vendedor de Sonhos, mas o Vice-Cristo na terra. Merece respeito. Ademais, não é um homem qualquer. Raras inteligências como a sua ilustraram-nos de São Tomás de Aquino para cá. A sua carta aos católicos da Irlanda é um monumento de humanidade e misericórdia. Requer, ao menos, silêncio.
Dá para imaginar o Vendedor de Sonhos sendo apedrejado depois do seu mea culpa no estádio? Não. E se fosse o Papa? Sem dúvida que sim. Por quê? Ora, a única opção que pode ser livremente agredida hoje é a de ser católico praticante. As baleias e os tigres são mais protegidos. Como na Roma Imperial.