segunda-feira, 5 de abril de 2010

O que está por trás dos escândalos


Por: Máximo Introvigne

Diretor do The Center for Studies on New Religions (CESNUR), que reúne um grupo de estudiosos de grandes universidades da Europa e das Américas. O artigo foi publicado no jornal dos bispos italianos Avvenire, 18-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Volta-se a falar de padres pedófilos, com vozes e acusações que se referem insistentemente à Alemanha e a tentativas de envolvimento de pessoas próximas ao Papa, e acredito que a sociologia também tem muito a dizer e não deve calar pelo medo de descontentar alguém. A discussão atual sobre os padres pedófilos – considerada do ponto de vista do sociólogo – representa um exemplo típico de “pânico moral”. O conceito nasceu nos anos 70 para explicar como alguns problemas são objeto de uma “hiperconstrução social”.

Mais precisamente, os “pânicos morais” foram definidos como problemas socialmente construídos e caracterizados por uma amplificação sistemática dos dados reais, tanto na representação midiática quanto na discussão política. Outras duas características foram citadas como típicas dos “pânicos morais”. Em primeiro lugar, problemas sociais que existem há décadas são reconstruídos nas narrativas midiáticas e políticas como “novos”, ou como objeto de um suposto e dramático crescimento recente. Em segundo lugar, a sua incidência é exagerada por estatísticas folclóricas que, mesmo que não confirmadas por estudos acadêmicos, são repetidas por um meio de comunicação ao outro e podem inspirar campanhas midiáticas persistentes.

Philip Jenkins destacou o papel de “empresários morais”, cujas agendas nem sempre são declaradas, na criação e gestão dos pânicos. Os “pânicos morais” não fazem bem a ninguém. Distorcem a percepção dos problemas e comprometem a eficácia das medidas que deveriam resolvê-los. A uma má análise só pode seguir uma má intervenção. Entendamo-nos: os “pânicos morais” têm, na sua origem, condições objetivas e perigos reais. Não inventam a existência de um problema, mas exageram suas dimensões estatísticas. Em uma série de valiosos estudos, o próprio Jenkins mostrou como a questão dos padres pedófilos é talvez o exemplo mais típico de um “pânico moral”. Estão presentes, de fato, os dois elementos característicos: um dado real de partida e um exagero desse dado por obra de ambíguos “empresários morais”.

Acima de tudo, o dado real de partida. Existem padres pedófilos. Alguns casos são ao mesmo tempo chocantes e repugnantes, levaram a condenações definitivas e os próprios acusados nunca se proclamaram inocentes. Esses casos – nos EUA, na Irlanda, na Austrália – explicam as severas palavras do Papa e o seu pedido de perdão às vítimas. Mesmo se os casos fossem só dois – e infelizmente são mais – seriam sempre dois casos relevantes. Porém, a partir do momento em que pedir perdão – mesmo que seja nobre e oportuno – não basta, mas é preciso evitar que os casos se repitam, não é indiferente saber se os casos são dois, 200 ou 20 mil. E não é nem um pouco irrelevante saber se o número de casos é mais ou menos numeroso entre os sacerdotes e os religiosos católicos do que em outras categorias de pessoas. Os sociólogos muitas vezes são acusados de trabalhar sobre números frios, esquecendo-se que, por trás de cada número, há um caso humano.

Mas os números, embora não sejam suficientes, são necessários. São o pressuposto de toda análise adequada. Para entender como de um dado tragicamente real se passou a um “pânico moral” é então necessário se perguntar quantos são os padres pedófilos. Os dados mais completos foram recolhidos nos EUA, onde, em 2004, a Conferência Episcopal solicitou um estudo independente ao John Jay College of Criminal Justice da City University of New York, que não é uma universidade católica e é unanimemente reconhecida como a mais notável instituição acadêmica dos EUA em matéria de criminologia.
Esse estudo nos diz que, de 1950 a 2002, 4.392 sacerdotes norte-americanos (de mais de 109.000) foram acusados de terem tido relações sexuais com menores de idade. Desses, pouco mais de uma centena foram condenados por tribunais civis. O baixo número de condenações por parte do Estado deriva de diversos fatores. Em alguns casos, as vítimas verdadeiras ou supostas denunciaram sacerdotes já falecidos, ou havia sido atingido o término da prescrição. Em outros, a acusação e também a condenção canônica não corresponde à violação de alguma lei civil: é o caso, por exemplo, de diversos Estados norte-americanos, em que o sacerdote teve uma relação com uma – ou também um – menor de idade maior de 16 anos e consciente.

Mas houve também muitos casos chocantes de sacerdotes inocentes acusados. Esses casos se multiplicaram nos anos 90, quando alguns estudos legais entenderam que poderiam arrancar transações milionárias até com base em simples suspeitos. Os apelos à “tolerância zero” são justificados, mas também não deveria haver nenhuma tolerância nem para quem calunia sacerdotes inocentes. Acrescento que, para os EUA, os números não mudariam de modo significativo se se somasse o período 2002-2010, porque o estudo do John Jay College já notava o “declínio notabilíssimo” dos casos nos anos 2000.

As novas investigações foram poucas, e as condenações, pouquíssimas, por causa de medidas rigorosas introduzidas tanto pelos bispos norte-americanos quanto pela Santa Sé. O estudo do John Jay College diz, talvez, como se lê muitas vezes, que 4% dos sacerdotes norte-americanos são “pedófilos”? Absolutamente não. Segundo essa pesquisa, 78,2% das acusações se refere a menores de idade que ultrapassaram a puberdade. Ter relações sexuais com uma jovem de 17 anos certamente não é algo correto, muito menos para um padre: mas não se trata de pedofilia. Portanto, os sacerdotes acusados de pedofilia efetiva nos EUA são 958 em 42 anos, 18 por ano.

As condenações foram 54, pouco mais de uma por ano. O número de condenações penais de sacerdotes e religiosos em outros países é semelhante ao dos EUA, embora não se disponha de um estudo completo como o do John Jay College para nenhum outro país. Cita-se frequentemente uma série de relatórios de governo na Irlanda que definem como “endêmica” a presença de abusos nos colégios e nos orfanatos (masculinos) administrados por algumas dioceses e ordens religiosas, e não há dúvida de que casos de abusos sexuais de menores até muito graves ocorreram nesse país. A apuração sistemática desses relatórios mostra, além disso, como muitas acusações se referem ao uso de meios de correção excessivos ou violentos. O chamado Relatório Ryan de 2009 – que usa uma linguagem muito dura com relação à Igreja Católica –, de 25.000 alunos de colégios, reformatórios e orfanatos no período que examina, reporta 253 acusações de abusos sexuais de meninos e 128 de meninas, nem todas atribuídas a sacerdotes, religiosos ou religiosas, de natureza e gravidade diversas, que raramente fazem referência a crianças pré-púberes e que ainda mais raramente levaram a condenações.

As polêmicas destas últimas semanas com relação a situações semelhantes na Alemanha e na Áustria mostram uma característica típica dos “pânicos morais”: apresentam-se como “novos” os fatos que remontam a muitos anos ou, em alguns casos a até 30 anos, e em parte já conhecidos. O fato de acontecimentos dos anos 80 terem sido apresentados – com uma particular insistência no que se refere à área geográfica bávara, da qual o Papa provém – nas primeiras páginas dos jornais como se tivessem ocorrido ontem, e daí nasçam capciosas polêmicas, na forma de um ataque concêntrico que a cada dia anuncia em estilo gritante novas “descobertas”, mostra bem como o “pânico moral” é promovido por “empresários morais” de modo organizado e sistemático.

O caso que – como alguns jornais intitularam – “envolve o Papa” é, a seu modo, de manual. Refere-se a um episódio em que um sacerdote de Essen, já culpado de abusos, foi acolhido na arquidiocese de Munique e Freising, da qual o atual Pontífice era arcebispo e que remonta de fato a 1980. O caso surgiu em 1985 e foi julgado por um tribunal alemão em 1986, que reconheceu, dentre outras coisas, que a decisão de acolher o sacerdote em questão na arquidiocese não havia sido tomada pelo cardeal Ratzinger e nem lhe era conhecida, o que não é estranho em uma grande diocese com uma complexa burocracia.

O porquê de um jornal alemão ter decidido desencavar o caso e o ter jogado na primeira página 24 anos depois da sentença deveria ser colocado em questão. Uma pergunta desagradável – porque o simples fato de pô-la parece defensivo e não consola as vítimas – mas importante é se ser um padre católico é uma condição que comporta um risco de se tornar pedófilo ou de abusar sexualmente de menores – as duas coisas, como se viu, não coincidem, porque quem abusa de uma jovem de 16 anos não é pedófilo – mais elevado do que no resto da população.

Responder a essa pergunta é fundamental para descobrir as causas do fenômeno e, portanto, para preveni-lo. Segundo os estudos de Jenkins, se compararmos a Igreja Católica dos EUA às principais denominações protestantes, descobre-se que a presença de pedófilos é – de acordo com as denominações – de duas a dez vezes mais alta entre os pastores protestantes do que entre os padres católicos. A questão é relevante, porque mostra que o problema não é o celibato: a maior parte dos pastores protestantes é casada. No mesmo período em que uma centena de sacerdotes norte-americanos havia sido condenada por abusos sexuais de menores, o número de professores de ginástica e treinadores de equipes esportivas juvenis – também estes em grande maioria casados – julgado culpados do mesmo crime pelos tribunais norte-americanos chegava aos seis mil.

Os exemplos poderiam continuar, e não só nos EUA. Principalmente, permanecendo nos relatórios periódicos do governo norte-americano, cerca de dois terços dos abusos sexuais de menores não veem de estranhos ou de educadores – incluindo padres e pastores protestantes – mas de familiares: padrinhos, tios, primos, irmãos e infelizmente até pais. Dados semelhantes existem em numerosos outros países. Mesmo que seja pouco politicamente correto dizer, há um dado que é muito mais significativo: em mais de 80%, os pedófilos são homossexuais, homens que abusam de outros homens. E – para citar Jenkins mais uma vez – mais de 90% dos sacerdotes católicos condenados por abusos sexuais de menores e pedofilia é homossexual. Se efetivamente há um problema na Igreja Católica, ele não se refere ao celibato, mas sim a uma certa tolerância da homossexualidade, particularmente nos seminários dos ano 70, quando a grande maioria dos sacerdotes que depois foram condenados por abusos foi ordenada. É um problema que Bento XVI está corrigindo vigorosamente.

Em geral, o retorno à moral, à disciplina asceta, à meditação sobre a verdadeira e grande natureza do sacerdócio são o antídoto último para as verdadeiras tragédias da pedofilia. O Ano Sacerdotal também deve servir para isso. Com relação a 2006 – quando a BBC exibiu o documentário-lixo sobre o parlamentar irlandês e ativista homossexual Colm O’Gorman [vítima de abuso sexual na Irlanda] – e a 2007 – quando Santoro apresentou a sua versão italiana no canal Annozero – não há, na realidade, muito de novo, com exceção da crescente severidade e vigilância da Igreja.

Os casos dolorosos dos quais se fala nestas semanas não foram sempre inventados, mas remontam justamente a 20 ou até a 30 anos atrás. Ou, talvez, haja alguma coisa de novo. Por que desencavar em 2010 casos velhos ou muitas vezes já conhecidos, no ritmo de um por dia, atacando sempre mais diretamente o Papa – um ataque, além disso, paradoxal se considerarmos a grandíssima severidade do cardeal Ratzinger antes e de Bento XVI depois com relação esse tema? Os “empresários morais” que organizam o pânico têm uma agenda que surge sempre mais claramente e que verdadeiramente não tem a proteção das crianças no seu centro. A leitura de certos artigos nos mostra como lobbies muito poderosos buscam desqualificar preventivamente a voz da Igreja com a acusação mais infamante e hoje infelizmente também mais fácil, que é a de favorecer ou tolerar a pedofilia.